Antigamente, para sintonizar uma emissora de rádio, em muitos casos, principalmente se o aparelho fosse velho e desgastado, era necessário até certa destreza. O mesmo acontecia com a sintonização da televisão. Bastava um vento mais forte e a antena de televisão, geralmente colocada num plano mais elevado, saía do lugar. Alguém tinha que ir até lá fora, enquanto outra pessoa ficava olhando para a televisão e indicando quando estava “pegando” melhor ou com menos “chuviscos”. À época, explicava-se o discernimento vocacional como a sintonização do aparelho de rádio ou de televisão numa determinada emissora. Dizia-se que, para se acertar na vocação, era necessário direcionar as próprias antenas para Deus, sintonizar com atenção. Se o nosso mundo digital de agora tornou a comparação obsoleta, não deixou de ser verdade que o melhor discernimento vocacional e profissional é aquele que, entre outras coisas, não descuida de ouvir atentamente as inspirações que vêm de Deus. É bem fácil encontrar adolescentes e jovens que têm sérias dúvidas em relação à sua vocação e também à sua profissão. Pela insegurança em relação ao futuro, a ansiedade toma conta de suas vidas e inclusive da dos seus pais. Vamos aqui, dar alguns elementos de ajuda para o discernimento vocacional e profissional.
Em primeiro lugar, para a escolha vocacional, inclusive da profissão, que sempre implica certa vocação, é preciso perguntar-nos sobre nossa própria identidade. Ela refere-se à imagem de nós mesmos. Quem somos? De que família somos? Quais são nossos pais? [Lembremos que ninguém é filho de chocadeira para achar que os pais não influenciam ou não devem influenciar na vocação e na profissão dos filhos. Evidentemente, uma coisa é influenciar, outra coisa é fazer por eles uma escolha que é deles, com força interior. E os pais devem lembrar, como dizia São Paulo VI, que “o homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres, ou então se escuta os mestres, é por que são testemunhas.” (Evangelii Nuntiandi, n. 41).] Em que tempo estamos? Qual é nossa fé? No que acreditamos? O que nós valorizamos? Quais são nossas capacidades ou talentos a serem aplicados e desenvolvidos? Quais são nossos impulsos, gostos e paixões e como os ordenamos? Qual é nosso temperamento a ser trabalhado? Qual tem sido nossa história pessoal? O que os outros pensam a nosso respeito? As respostas a estas perguntas já dão uma boa aproximação da nossa identidade. Lembramos que ela é firmada no final da juventude, mas nunca terminamos de moldá-la. Assim, segundo a regra filosófica básica em que o fazer segue o ser, de quem somos virá uma parte da luz sobre o que vamos fazer em nossa vida.
Em segundo lugar, é preciso que pensemos seriamente sobre o fim último que queremos dar à nossa vida. O fim será uma espécie de força motriz presente em tudo o que fizermos e na forma como o fizermos. Então: Que finalidade última queremos dar para nossa vida e como vamos atingi-la? Por que estamos neste mundo? Que sentido tem estarmos aqui? Tem alguma marca que queremos deixar neste mundo? Em que podemos ser úteis? Como vamos entregar generosamente melhor a vida para o melhor bem?
Estas perguntas precisam pôr a razão humana para funcionar. O que temos que seguir não são os gostos, como costuma acontecer atualmente. Quem procura fazer somente o que gosta, passa a não gostar do que faz. Quem procura o que é bom e útil, mesmo que no início não goste, passará a gostar, pelo atrativo real e verdadeiro que o mesmo bem possui. Precisamos ajudar nossos jovens e dar esse passo. Vejamos como diz o professor Antônio Donato: “a maioria das decisões importantes dos seres humanos não são decididas à base de razão nenhuma. Você escolhe uma profissão porque você gosta: isso é um absurdo! Quer dizer, os gostos do indivíduo são pré-determinados geneticamente. Se você vai escolher profissão pelo que você gosta, você simplesmente estará preso ao seu DNA, você é escravo do seu DNA. Você talvez gostaria de fazer outra coisa: se você entendesse que uma outra coisa é muito bela, você se apaixonaria por ela. Como você não faz o trabalho da inteligência, então você só é capaz de gostar daquilo que você naturalmente, geneticamente, gosta. Você se comporta como se fosse uma máquina (...). Quando você casa, você casa com a pessoa de quem você gosta: quem te apaixonar primeiro, é com aquela que você vai casar. Outro absurdo! A gente deveria primeiro entender se a vocação do indivíduo é casar ou não, e casar significa formar uma família. Aí quando você resolve que você quer formar uma família, você deveria procurar a pessoa ideal no meio de todas e, quando a encontrasse, você iria procurar gostar dela. E assim que a gente faz. E assim por diante, todas as decisões importantes que a gente faz são todas por capricho.”
Como se vê, há muita desorientação vocacional por aí! Então, continua o professor com sua aula, feita num curso em 2011, em São Paulo: “Todas as decisões básicas são conduzidas pelos instintos, pelos prazeres, pelos gostos, dos quais o ser humano não é dono. Se ele usasse a inteligência ele poderia transformar seus gostos para que eles se adaptassem à inteligência, e serem gostos mais nobres, mais finos, mais profundos, porque seriam mais racionais e mais coerentes com a própria natureza humana. A gente pode não gostar no começo, mas depois a gente acaba gostando muito mais e a gente fica assombrado como um dia a gente pôde ter gostado de outra coisa. Então se nem a razão natural a gente enxerga, obviamente é mais dificil a gente ver algo divino. Mas para aqueles que o vem, Deus lhes promete transformar-se em filhos de Deus.”
As perguntas postas acima são feitas para raciocinar. Contudo, a esta altura já nos devemos ter dado conta de que não se podem respondê-las com a razão humana sem a ajuda divina, como se Deus não existisse e não tivesse Ele um objetivo para nossa vida e nem nos quisesse ajudar a descobri-lo. Por influência de uma cultura que cada vez mais abandona a Deus, costumamos a, de modo isolado, responder tais perguntas, sem Deus e sem mesmo os outros. Deus é que sabe quem nós somos e o que quer de nossa vida.
Como éramos persistentes na busca da sintonia do rádio e da televisão, precisamos ser persistentes também na escuta de Deus para a descoberta da nossa vocação e da nossa profissão. Qual é a antena para isso? São a vida de oração, a meditação da Palavra de Deus, a contemplação, a vivência sacramental (especialmente a confissão frequente e a participação na Missa), a vida na Igreja e a atenção inteligente ao que se passa na história. Como vamos orientar bem nossa vida se não elevamos a mente àquele que nos criou com uma determinada finalidade, luz de tudo o que fazemos? Como vamos raciocinar direito se nossa vida está distorcida pelo barulho, pelo apego ao pecado, sem a graça?
É bom ter paciência conosco mesmos e, quando aparecer, com a ajuda de Deus, a clareza do que Ele quer para nós, entregarmo-nos generosamente a isso. Assim aconteceu com muitos santos. Deus, em sua providência possibilitou que descobrissem o que Ele os tinha reservado. Veja o exemplo de Santo Afonso. Era um grande advogado, não perdia causa. Um dia, perdeu uma, por não julgar certo uma situação. Então, raciocinando atento e persistente, perguntou-se: já pensou se julgar errado em coisas mais importantes, como as que dizem respeito à salvação ou condenação? Abandonou sua carreira de advogado e tornou-se até bispo, sendo um grande mestre da moral católica. Deus tem seus planos. Estejamos persistentemente atentos.
O que nós somos recebemos dos pais, do ambiente em nossa volta e, acima de tudo, de Deus. A escolha do que nós fazemos ou faremos e o objetivo último de nossa vida e a sua realização através de inúmeros meios são resultados da escuta atenda e refletida de todas estas realidades e, principal e ultimamente, de Deus. Em outras palavras, o discernimento e a realização vocacional e profissional são graça divina, a participação de nossa vida em Deus. Por fim, se formos abandonados por muitos na realização dos nossos objetivos, é bom recordar sempre: Deus, que nos inspirou nossa vocação e nossa profissão, nunca nos abandonará. Antes, fará tudo para levar a termo a obra que é Sua, da qual nós atentamente sintonizados participamos.