ENTRE CÃES E GATOS

02/10/2023 às 16:38h

Outro dia fui numa loja de materiais de construção e vi um carrinho, como estes de supermercado, com um lugar para colocar o animal de estimação. Ri, achei criativo e, como dizem, com um quê de “boas práticas”. Nada contra! Há que se cuidar mesmo dos animais e das lojas. Estranhei ao não ver carrinhos com lugar para pôr crianças. Pelo visto, ali o pessoal não as leva consigo, ou pelo fato de elas poderem se machucar, mexendo nalguma ferramenta exposta para venda, ou, o que não é nada bom, já não há mais tantas crianças, estando a preferência nos “pets”. Se a causa for esta última, a empresa humana irá à falência, por má administração. Para não falir nossa empresa, pensei que, sem diminuir a natureza específica dos animais, há algo sobre a vida dos seres humanos que precisa ser lembrado: a sua sacralidade. Esta é a Boa Notícia para a vida humana.

Só cuidaremos dos animais como eles devem bem ser cuidados, e sem hipocrisia, quando tivermos em conta a sacralidade de nossa própria vida. A respeito disso, recordo o que diz, com clareza, o Catecismo da Igreja Católica, no número 2418: “É contrário à dignidade humana fazer sofrer inutilmente os animais e dispor indiscriminadamente das suas vidas. É igualmente indigno gastar com eles somas que deveriam, prioritariamente, aliviar a miséria dos homens. Pode-se amar os animais, mas não deveria desviar-se para eles o afeto só devido às pessoas.” Em muitos casos, ao compararmos os dispêndios de afeto dado aos animais com o dado aos humanos, principalmente às crianças ainda não nascidas, às da primeira infância, aos deficientes e idosos, é fácil ver que há alguma desordem. Chesterton, autor inglês falecido em 1936, dizia: onde quer que haja adoração a animais, ali haverá sacrifícios humanos”.

Diferente dos animais, “o homem é chamado a uma plenitude de vida que se estende muito além das dimensões da sua existência terrena, porque consiste na participação da própria vida de Deus”, disse São João Paulo II na Encíclica Evangelium Vitae (n. 2), ao anunciar o Evangelho da vida da pessoa humana. O homem tem uma vocação sobrenatural que revela, desde já, a grandeza e o valor precioso da sua vida. O papa disse também que “a vida temporal, é condição basilar, momento inicial e parte integrante do processo global e unitário da existência humana: um processo que, para além de toda expectativa e merecimento, fica iluminado pela promessa e renovado pelo dom da vida divina, que alcançará a sua plena realização na eternidade.” Bem se vê a importância aqui dada ao viver a vida como uma resposta ao que Deus esperou de nós, quando nos criou, e ainda espera, conservando-nos na vida.

O Filho de Deus, pela sua encarnação, uniu-se para sempre a cada um dos seres humanos. É uma revelação do amor infinito de Deus por nós. O Pai amou tanto o mundo que lhe deu o seu Filho único (cf. Jo 3,16). Isto revela também o valor incomparável de cada pessoa humana. É o Evangelho do amor de Deus pelo homem, o Evangelho da dignidade da pessoa, o Evangelho da vida. Qualquer ameaça à vida humana repercute no coração de Deus.

Continua, pois, o papa, sobre a nossa vida: “trata-se, em todo o caso, de uma realidade sagrada que nos é confiada para a guardarmos com sentido de responsabilidade e levarmos à perfeição no amor pelo dom de nós mesmos a Deus e aos irmãos.Nossa alma é imortal e, como tal é diferente da dos animais, perdura para a eternidade. Sua imortalidade baseia-se no fato de que Deus nos criou à sua imagem e semelhança. Criou-nos com alma espiritual, aí está a imagem. E deu-nos a filiação, pela graça, e aí está a semelhança, recuperada em sua plenitude no batismo. E a respeito do corpo, um dia ressuscitará, tal como aconteceu com o de Cristo. Vive bem a vida de filho quem bem cuida da criação e das coisas do Pai.

Diante das novas e mais intensas ameaças à vida humana, é preciso recordar o que já apresentava há décadas atrás o Concílio Vaticano II: “Tudo quanto se opõe à vida, como seja toda a espécie de homicídio, genocídio, aborto, eutanásia e suicídio voluntário; tudo o que viola a integridade da pessoa humana, como as mutilações, os tormentos corporais e mentais e as tentativas para violentar as próprias consciências; tudo quanto ofende a dignidade da pessoa humana, como as condições de vida infra-humanas, as prisões arbitrárias, as deportações, a escravidão, a prostituição, o comércio de mulheres e jovens; e também as condições degradantes de trabalho, em que os operários são tratados como meros instrumentos de lucro e não como pessoas livres e responsáveis. Todas estas coisas e outras semelhantes são infamantes; ao mesmo tempo que corrompem a civilização humana, desonram mais aqueles que assim procedem, do que os que padecem injustamente; e ofendem gravemente a honra devida ao Criador.” Agora vemos estas coisas repetindo-se e aprofundando-se, inclusive procurando a legalidade, a proteção e o investimento do Estado. Numa verdadeira cultura da morte, como denominou João Paulo II. Estes pecados bradam aos céus e não ficam impunes. Deus não deixa impune, nem os indivíduos, nem os estados. É bom lembrar que quem atenta contra a vida do homem, de algum modo atenta contra o próprio Deus. “O temor de Deus é o princípio do saber”, dizem os Provérbios (1,7).

Os seres humanos foram criados para o louvor e a glória de Deus, para substituir os anjos caídos no início dos tempos. Satanás tem inveja. Esta mesma inveja é a causa primeira desta cultura da morte, da provocação de todo o tipo de violência sacrifical contra os inocentes, tanto, e principalmente, as crianças ainda não nascidas, quanto as que estão na primeira infância, os deficientes e os idosos. O rito de Satanás é a cultura da morte. Estejamos vigilantes! Cuidemos dos animais como criaturas de Deus. Tenhamos os seres humanos como irmãos ou filhos, levando-os, pelo batismo, à filiação divina, para o maior louvor e a glória de Deus. Oxalá compreendêssemos que o número de filhos aumenta, a partir do batismo, o número dos que dão glórias e louvores a Deus.

Fonte: Cônego Elisandro Fiametti
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