A IMPORTÂNCIA DA LITERATURA PARA A FORMAÇÃO DO CORAÇÃO E DA MENTE

29/01/2025 às 14:42h

Em meados de 2024, o Papa Francisco publicou uma carta referente à importância da literatura para a formação sacerdotal. Ele procurou evidenciar o papel que a literatura pode desempenhar na educação do coração e da mente do padre ou futuro padre. Ele falou que isso se estende para a formação dos outros agentes de pastoral. Nós acrescentamos que isso de deve estender a todos os cristãos de modo geral, em particular aos que têm função educativa, como pais e professores. Vamos trazer aqui um pequeno resumo, com apontamentos desta carta de Francisco.

As férias, diz o Papa, são um momento privilegiado para deleitar-nos com aquela obra a tanto tempo esperada para ser lida, ainda mais debaixo de uma ampla e restauradora sombra, compartilhada com amigos de boas leituras. É bom ter em conta que a leitura de obras literárias não é um simples passatempo ou algo secundário. Muito menos o é para a formação sacerdotal e para os que estão envoltos na formação de outras pessoas. Para estes é algo essencial.

O Papa diz que hoje é extremamente “necessário e urgente contrabalançar esta inevitável aceleração e simplificação da nossa vida quotidiana, aprendendo a distanciarmo-nos do imediato, a reduzir a velocidade, a contemplar e a escutar. Isto pode acontecer quando, de modo desinteressado, uma pessoa se detém para ler um livro.” (n. 31). Na correria do dia a dia e com o excesso de informações e a congestão de imagens dadas pelas redes sociais, fotos e vídeos rolados rapidamente e que cegam a alma, uma boa leitura literária, poesia ou prosa, se torna um oásis para a inteligência. Inclusive ajuda a evitar o encerramento em poucas ideias obsessivas. A cada nova obra lida, renova-se e se expande o universo pessoal. O Papa usa a imagem da digestão. Com a leitura, digerimos e assimilamos nossa presença no mundo, interpretamos a vida, discernindo os seus significados e tensões fundamentais.

Para exprimir toda a riqueza e profundidade do evangelho não basta a gramática histórico-cultural, diz Francisco, é necessária a literatura. Se o mistério do homem só se esclarece verdadeiramente no mistério do Verbo encarnado, como dizia o Concílio Vaticano II, como falar ao coração dos homens se ignoramos o que ali se passa? Como falar sobre coisas concretas, ao homem de carne e osso, se não conhecemos? Não se trata, pois, do mistério de uma humanidade abstrata, mas do mistério daquele homem concreto com as feridas, os desejos, as recordações e as esperanças da sua vida, salienta o Papa. Os sacerdotes, os catequistas, os agentes de pastoral, os professores, entre outros educadores, precisam estar preparados para as situações que podem surgir na vida. As obras literárias ajudam a compreender certas situações em pouco tempo e coisas que talvez nunca veríamos. Assim diz o Papa Francisco: “Ao ler as grandes obras da literatura, transformo-me em milhares de homens sem deixar, ao mesmo tempo, de permanecer eu mesmo.” (n. 18)

Já o cristianismo primitivo tinha conseguido perceber a necessidade de aproximar os cristãos da literatura de fora da Igreja, a literatura pagã, com São Basílio em sua “Carta aos jovens”. Nem estamos falando da literatura própria, a católica. A literatura pagã, para ele, foi uma preparação ao Evangelho. São Paulo VI, citado por Francisco, dizia aos escritores: “o Nosso ministério é o de pregar e tornar acessível e compreensível, melhor, comovente, o mundo do espírito, do invisível, do inefável, de Deus. E vós sois mestres nesta operação, que transforma o mundo invisível em fórmulas acessíveis, inteligíveis”.

Quando acessamos obras literárias, ouvimos a voz de alguém, um outro que nos interpela, saímos da surdez espiritual. Diz o Papa: “ao lermos um texto literário, colocamo-nos na condição de ‘ver com os olhos dos outros’ (n. 30), adquirindo uma amplitude de perspectiva que alarga a nossa humanidade. Ao ler, descobrimos que o que sentimos não é só nosso, é universal, e, por isso, até a pessoa mais abandonada não se sente só.”

O fato é que saímos também da insensibilidade. Se hoje temos o que se chama uma crise de fé, esta, diz Francisco, “liga-se antes à incapacidade de tantos se comoverem perante Deus, a sua criação e os outros seres humanos. Por conseguinte, abre-se aqui a tarefa de curar e enriquecer a nossa sensibilidade.” Esta mesma sensibilidade se dá inclusive em relação a si mesmo. Na leitura, ao mesmo tempo em que vemos e nos comovemos com Deus, o mundo e os outros, experimentamos melhor a nós mesmos.

Como um professor de literatura que foi, o Papa orienta para começar lendo o que mais atrai. Diz que depois se vai ganhando gosto pela literatura, pela poesia e os mais diversos autores. Para ele, “devemos selecionar as nossas leituras com abertura, surpresa, flexibilidade, orientação, mas também com sinceridade, tentando encontrar o que precisamos em cada momento da vida”.

Uma passagem importante da carta podemos deixar aqui, por último, para incentivo à leitura literária: “Quando se lê uma história, graças à visão do autor, cada um imagina, à sua maneira, o choro de uma jovem abandonada, a idosa que cobre o corpo do neto adormecido, a paixão de um pequeno empreendedor que tenta ir para diante apesar das dificuldades, a humilhação de alguém que se sente criticado por todos, o rapaz que encontra no sonho a única saída para a dor de uma vida miserável e violenta. À medida que sentimos vestígios do nosso mundo interior no meio dessas histórias, tornamo-nos mais sensíveis às experiências dos outros, saímos de nós próprios para entrar nas suas profundezas, conseguimos compreender um pouco mais as suas lutas e desejos, vemos a realidade com os seus olhos e acabamos por nos tornar companheiros de viagem.” (n. 36).

Deixamos aqui o endereço eletrônico da carta do Para, para aqueles que desejarem lê-la inteira: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/letters/2024/documents/20240717-lettera-ruolo-letteratura-formazione.html

 

 

Fonte: Cônego Elisandro Fiametti
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