PARA OS QUE TÊM DESÂNIMO

03/09/2024 às 10:45h

 

Muita gente é acometida pelo desânimo na vida espiritual. O interesse que o tema desperta nos dá oportunidade de trazer algumas ideias de um livro chamado “Tratado sobre o desânimo”, do padre jesuíta Jean Michel, publicado em 1952. A intenção é dar alguma ajuda a quem neste tema precisa.

O que é o desânimo? É uma tentação, a “mais perigosa que o inimigo da salvação dos homens pode oferecer”. Assim começa o padre Jean no seu livro. Se as outras tentações têm o socorro da consciência e dos princípios morais, que logo apontam o erro, pois vemos o mal mais claramente, com o desânimo é diferente. Nele, não achamos socorro algum. Não esperamos mais achar junto de Deus a proteção para resistirmos às paixões. Antes, até encontramos razões sólidas para seguirmos o que estamos sentindo e nem mesmo o consideramos uma tentação. Achamo-nos, pois, sem coragem, prontos a tudo abandonar, e é até aí que o demônio quer conduzir a alma desanimada.

No desânimo, achamo-nos expostos a nos deixar vencer por todas as paixões. Por exemplo, quando sentimos que nossos pecados são maiores que a misericórdia de Deus, ou que não temos mais jeito. Quem vai querer viver na graça de Deus se já não tem esperança de consegui-la? Só um louco poderá trabalhar por algo que não tem esperança de conseguir. No desânimo, temos um sentimento que vai contra a esperança. É um esquecimento de que se tem um socorro poderoso na bondade do Pai.

Tirando o fato de ser causado por algum tipo de doença física, o desânimo pode ser uma expressão de orgulho. A pessoa permanece convencida da sua fraqueza, sentindo fortemente a dificuldade de vencer, ocupada em ideias tristes e desalentadoras, de que não faz nada para agradar a Deus, de que tem pouca coragem e que é inútil recorrer a Deus e de que Ele nem mesmo a escutará. O caso é que ela pensa que deve a si mesmo, à sua força, o bem que faz e a felicidade que aspira. Vai contra o que diz a Escritura: Que tendes que não tenhais recebido? (1Cor 4,7). Tudo pensa ser fruto do seu esforço e não vê a ação de Deus em tudo o que faz. Isso é orgulho. Então, quando age bem, anima-se! Quando age mal, desanima! Ela esquece que os méritos vêm somente da misericórdia de Deus e não dos seus próprios méritos e de que, quando ela faz o bem, é a graça de Deus que o faz, graça que ela não pode merecer. Os santos encontraram a esperança e a segurança não em si, mas em Deus. Quanto mais santos eles eram, mais humildes eram.

Há um motivo que dissipa todo o temor e toda a falta de confiança em Deus: O sofrimento de Jesus Cristo. Não tenhamos receio em recorrer aos merecimentos de Jesus Cristo. Seria muito estranho querer honrar os sofrimentos de Cristo sem fazer uso deles. Não podemos deixar inúteis os seus dons, considerando-os como indiferentes. Judas tornou-se mais culpado matando-se do que entregando o Senhor, pois desesperou do dom da misericórdia do Senhor.  

É verdade, claro, que Deus não faz o bem sozinho em nós. Ele quer nossa participação. Por isso, é bom lembrar que não se pode vencer sem combate. Certa violência contra si próprio é necessária, quer dizer, neste nosso caso, contra o sentimento de desânimo, contra esta tentação. Pendemos naturalmente para a preguiça e, por isso, o diabo pinta, pelas nossas paixões, um quadro enorme de dificuldades para o serviço a Deus. Ele oculta a paz do coração quando se obedece a Deus, tira a consolação, mostra nossa fraqueza, faz-nos lembrar das quedas anteriores e não nos deixa perceber a misericórdia de Deus e o seu braço poderoso. Compenetrados em nossa fraqueza, em vez de ter em conta que Deus está conosco, caímos no abatimento. É preciso lutar a luta de cada dia. “A cada dia basta a sua pena”. (Mt 6,34).

É melhor não dar ocasião para a tentação. De antemão, saibamos que é proibido pormo-nos em tentação. Antes, é preciso prevenir-nos, reforçando nosso espírito, para o combate. A forma mais importante de prevenção é uma vida de oração. Mas, dizem os que são acometidos pelo desânimo, temos dificuldade de rezar, nosso espírito fica dissipado, não conseguimos nos concentrar. Às vezes, a dissipação no momento da oração vem de uma vida dissipada, sem orientação, fazendo coisas sem saber do porquê. Vem o desânimo, por própria culpa. Aí, é claro, no momento da oração não haverá uma mágica que fixe a inteligência em Deus. Precisamos dar sentido divino em tudo o que fazemos, nas mais diferentes atividades. Tudo deverá ser referido a Deus, por exemplo, para o seu louvor e para a sua glória. Não estamos na terra senão para isso.

Também é bom saber, que o tédio e a secura, no momento da oração, são provações que o próprio Deus faz ou permite para que alcancemos um grau maior em amá-lo, já que ali muitas vezes procuramos alimentar nosso amor próprio, buscando consolação, bons sentimentos. Jesus não exige que façamos as coisas com gosto, com um atrativo sensível, mesmo a oração, mas que façamos a vontade do Pai. Se houver sentimentos bons, está bem. Mas se não os houver, não é o caso de abandonar a oração e achar que estamos sem atenção de Deus e desanimar. É preciso, pois, pedir a submissão à vontade de Deus. Sem esperar milagres ou meios extraordinários para isso. Inclusive àqueles que Deus concedeu meios extraordinários, como o caso de São Paulo, para fazer uma conversão de chofre, num só momento, Ele logo os fez, depois, reentrar na ordem comum, com os meios ordinários da sua graça, como a inspiração ou a razão para ser virtuosos, e até os fazendo passar por grandes provações.

Em Deus está nossa esperança. Ele tem os meios infalíveis. Deus exige que o invoquemos com confiança. Nunca devemos ter receio de pedir ao Senhor. Nos sofrimentos de Jesus podemos encontrar os motivos poderosos para debelar o temor que perturba incessantemente o ânimo. Se estivermos desanimados, pensando que Deus não nos vai atender ou perdoar, olhemos para a cruz e vejamos o que Ele fez. Se o fizemos tantos males e agora estivermos arrependidos, como deixar inúteis os dons do sofrimento de Jesus? Foi justamente para nossa salvação que Ele veio. Deus nunca rejeita um coração contrito e humilhado. Se rejeitaríamos ou se vingaríamos os males que fazem contra nós, Deus não tem os nossos critérios, seu coração está sempre pronto a perdoar. Os pensamentos do Senhor não são como os nossos pensamentos. Esperemos, pois, pelo Senhor, e então crescerá nossa fé. Evidentemente que não se pode vencer sem combate e muitas vezes o inimigo somos nós mesmos, com nosso amor próprio desordenado. É bom recordar que o demônio não descansa. Por isso, “ninguém será coroado se não houver legitimamente combatido até o fim” (2Tm 2,5).

Fonte: Cônego Elisandro Fiametti
Fotos