DOIS CAMINHOS

19/03/2024 às 10:51h

Tema ingrato com que se começar uma conversa: a inconveniente, malquerida, indesejada morte. A morte, como sabemos, é-nos consequência do pecado de desobediência praticado no Paraíso e que desde então nos tem causado tanto suor frio diante dos perigos da vida. Pecado- do latim “peccare” – etimologicamente significa tropeçar. Um baita tropeço inicial, uma Queda estrondosa. Eis nosso “tropeço original” ou, se quiserem, Pecado Original. E quem esperaria, quem imaginaria que para reerguer-nos desta terrível Queda se faria homem, padeceria e imolaria o Cordeiro Divino, segunda pessoa da Santíssima Trindade, Cristo Jesus, por nós.

Consequência deste tropeço inicial voluntário é justamente a desordem em nossa alma, desordem que nada mais é do que buscar mais o que é menos e menos o que é mais. Mais os prazeres sensoriais, menos os bens superiores que nos apaziguariam a alma e a preencheriam de um júbilo cem vezes superior. Mais o empilhamento de quinquilharia perecível e nada dos bens excelentes do Amor e Verdade que nos fariam ricos eternamente de Deus. Ora, assim o interesse pelo mundo é anteposto a Deus. A multiplicidade substitui o Único necessário. Deus é posto de lado e os restos são perseguidos, não importando as consequências.

Cada coisinha no mundo se torna então como um sol miúdo, uma pepita de ouro reluzente que atrai a ganância dos sentidos. Os sentidos do corpo temos cinco, enquanto os sóis atrativos do mundo são muitos, e os modos de comprazer-se no quentinho deles e nas suas luzes, infinitas; as pepitas de ouro são inúmeras, e não há mãos nem tempo para apanhar tantas. Note que o corpo do homem é pouco extenso para tamanha extensão de prazeres e pouco durável para que alcance apalpar todos. Por isso, o homem que busca riquezas e prazeres passageiros não alcança nunca usufruir tudo o que o coração sofregamente chega a desejar – há nisto muita frustração. O motivo é que o coração humano não tem sua fome de Deus saciada nos gostos efêmeros do ventre e do baixo ventre, nem sequer na fama e honra, nem na riqueza e opulência de seus bens...

Quando assumimos fazer do objetivo mesmo de nossa vida buscar a todo custo o que é baixo em desprezo do que é elevado é que pecamos. E não há dúvida, para nosso espanto, que escolhemos tropeçar voluntariamente, ferindo na topada nada menos que nossa alma, levando conosco nosso vizinho, ofendendo ninguém menos que Deus, e isto, muitas vezes.

Na verdade, existem dois caminhos: um é o caminho da vida, e o outro, o da morte. A diferença entre os dois é grande (didaqué). Constatamos já, sem alarde, que também nós caímos em faltas. E acabamos de ver que um destes caminhos se seguido até o fim leva ao pecado e morte. Já não à morte, aquela do corpo, mas à morte em que se põe a alma enquanto escolhe estar em inimizade com Deus. Agora, sigamos pelo caminho da vida. Antes, no entanto, para empreendermos nossa jornada final, nos convêm saber algo acerca do homem.

Convêm primeiro lembrarmos que Deus nos fez e a nós submeteu toda a terra e suas criaturas. Ora, somos superiores a toda restante criatura. Estranharia muito mesmo que alguém se identificasse como uma rocha, uma abóbora ou quem sabe como um sentinela dos pampas, nosso quero-quero. Não. Seres humanos é o que somos, capazes de amar e ver a verdade.

Sim, já vimos que decaímos do estado em que fomos criados. Sim, também vimos que por conta desta Queda o homem se desordenou. Por fim, que o homem peca frequentemente. No entanto, não fomos abandonados... Oh Cristo, quanto amor irradias do lenho onde tens tua face inclinada, as mãos transpassadas, aberto pela lança teu lado (cf. Quantum in Cruce, música). Filho de Deus, encarnado, padecente e supliciado, morreste e em tua morte nos devolveste a vida, não aquela vida que perece, a outra, sim, que nos é dada pela graça. Oh Jesus, é esta graça infundida em nosso íntimo a que nos faz já não só superiores à criatura terrena, mas irmãos teus, deificados, e filhos adotivos do Pai.

Pois bem, o caminho da vida é este: Em primeiro lugar, ame a Deus, que criou você. Em segundo lugar, ame a seu próximo como a si mesmo. Não faça a outro nada daquilo que você não quer que façam a você (Didaqué). Sigamos esta exortação da Santa Igreja, e nos preparemos pelo jejum, oração, esmola e confissão, pois está perto o tempo de tudo ser consumado. Está perto.

Fonte: Ronaldo Anesi - seminarista estudante de teologia.
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