DA MEDICALIZAÇÃO À CONVERSÃO

27/02/2024 às 17:48h

Tem crescido enormemente o uso de medicamentos, tanto para a prevenção, quanto, principalmente, para o tratamento de doenças da alma. Para sabê-lo, não precisamos de grandes pesquisas, mesmo que as tenhamos. Basta olhar o aumento, nos últimos anos, do número de farmácias e da quantidade de medicamentos à venda. Será que não há, no mínimo, algum tipo de exagero ou desordem neste uso, caracterizando abuso? Como não reconhecer o quanto tem aumentado o consumo de drogas antidepressivas, controladores de humor, ansiolíticos, inclusive para crianças!? Se há o problema, como poderia ser diferente? Que tem a ver um padre falar sobre este assunto?

Nossa alma, que é espiritual, não é desligada do corpo. Ela trabalha com ele, em composição, move-o e recebe influxo dele. Quando a alma está bem, o corpo tende a também estar bem e vice-versa. Ora, o convite à conversão que este tempo da Quaresma faz é especialmente para o bem da alma. O jejum, que a alma inflige ao corpo, se feito sem exageros, traz o bem para a alma e também para o corpo. O mesmo se pode dizer a respeito da intensificação da oração e da esmola, estes outros exercícios quaresmais.

Engana-se quem, para o bem da alma, procura apenas o bem do corpo, ou apenas através de elementos materiais, como são os medicamentos. Por vezes, eles são necessários, mas é enganoso tê-los como a única solução, especialmente se o problema é da alma. Quero dizer que as doenças da alma precisam ser tratadas na sua origem, como doenças suas, mesmo que ela receba os influxos do corpo e dos elementos materiais nele. Além do mais, pode haver doenças do corpo que possuem sua origem na alma e que, por isso, também as doenças do corpo têm a ver com o modo como está a alma. O tratamento, pois deve passar pelo cuidado com ela. Neste caso, não basta tratar o corpo, é preciso tratar a alma como ela exige, e não necessariamente com medicação.

Estamos falando disso, pois grande número de pessoas medicalizam todos os problemas da vida. Tudo, doenças do corpo e da alma, parece que, necessária e rapidamente, precisa ser resolvido à base de medicamentos. Há quem visita mais a farmácia do que o trabalho ou o supermercado e quer, a todo o custo, de modo imediato e fácil, o bem-estar. Nada contra as farmácias. Estou falando dos exageros de quem acha que tudo tem solução e controle e à base da artificiosa e, muitas vezes, pseudociência. Há um capítulo da moral que trata sobre esta questão do excesso de medicamentos, tanto por culpa de quem usa, como de quem os produz e empurra para a venda, com fins estritamente econômicos.

O bem-estar total neste mundo é uma vaidade nossa, uma ilusão. É bom lembrar que, começamos a vida aqui com uma falha, a do pecado original, e de que estamos aqui de passagem, como estrangeiros, como que deslocados, fora do nosso lugar. E nunca se possuirá o bem-estar total. O fato é que, ilusoriamente, muita gente já não quer ter o mais mínimo sofrimento, pois vive na fantasia de que aqui neste mundo tem a sua única e última morada. Por que não admitir uma medida de sofrimento, como um pouco de configuração à pessoa de Jesus na Cruz, crucificado e coroado de espinhos, ao invés de perseguir um total bem-estar a qualquer custo e, ainda, de forma errada? Então, dá-lhe alívio ilusório com os meios artificiosos. Dá-lhe dinheiro, à toa, à indústria farmacêutica. E vêm, depois, os efeitos colaterais, físicos ou psicológicos, sociais e espirituais.

É tentador ir pelo caminho mais fácil. Às vezes, é mais fácil medicalizar a vida, tomando algum tipo de medicamento, levando a vida com a barriga. Na maioria das vezes, o problema persiste. Se tiver que tomar algum medicamento, um bom profissional nos dirá. A cura mesmo, em muitos casos, passa pela mudança completa do modo de ser, pela mudança de rumos na vida, pela conversão. O sacramento da reconciliação encontra aqui seu lugar.

É curioso como, no mesmo ambiente cultural dominado pelo cientificismo, que endeusa o entendimento atual de ciência, temos, por outro lado, determinados tipos mágicos de soluções para os problemas de saúde, como essas modas “new age” que, com um ar de bondade, são chamadas de alternativas. Deve haver uma lógica por detrás e que faz parte do mesmo ambiente de pensamento. Dentre as modinhas “new age”, neo-pagãs, temos as terapias ou trabalhos com o Reiki, curas intergeracionais, como a chamada “constelação familiar”, além do espiritismo, ioga. Acontece que estas terapias não são aceitas como ciência, no melhor entendimento do termo, isto é, não condizem com o real e, além disso, são incompatíveis com a doutrina católica.

Melhor mesmo é, com a luz e a Graça de Deus, fazer verdadeira ciência, ter as melhores atividades científicas da área da saúde humana, procurando o domínio da ordem desta realidade feita pelo Verbo de Deus. Mas isso somente é possível com a conversão, pedida pelo próprio Senhor, que disse: “o Reino de Deus está dentro de vós” (Lc 17,21). A mesma conversão é requerida pelos que recebem os bens das descobertas científicas, os doentes, para que, agradecidos aos profissionais da saúde deste mundo, encontrem no Senhor o Médico dos médicos. Seu amor foi até à morte, para nos levar todos à vida plena, somente recebida no seu Reino.

 

Fonte: Cônego Elisandro Fiametti
Fotos