A comemoração dos fiéis defuntos faz pensar sobre a realidade da morte. Há os que não querem nem se meter a pensar na morte e vão parar a leitura por aqui mesmo. Não adianta escapar. É uma realidade que nos espera. De alguma forma temos que enfrentar este assunto. Na verdade, a morte ganha um perfeito sentido, depois de Cristo.
Estamos num tempo em que a morte é ocultada ao máximo possível. Mesmo os sinais de luto, diferentemente de um bom tempo atrás, estão reduzidos ao mínimo. Por isso, agora, a morte não deve dar aborrecimento, não deve turbar a despreocupação com que se vive a vida. Mas tal despreocupação com que muitos vivem a vida faz pensar que tudo o que vivem pareça ser eterno. É um engano! O tempo passa e é bom recordar que a morte se avizinha. E, geralmente, temos adiante menos tempo do que imaginamos. Se hoje poucos fazem a meditação sobre a morte, pois ela faz pensar sobre como vivemos, os funerais mais bem celebrados poderiam ajudar. É que, de verdade, eles podem dar o sentido da morte e impulsionar a viver melhor a vida.
Sabemos pela revelação, que a concepção originária do homem era de que nem sofreria e nem morreria. Por isso, no princípio reinava uma harmonia entre criatura e Criador, homem e mulher, entre o homem e as criaturas. Deus não faz projetos de desordem, sofrimento e morte. O nome desta realidade é Paraíso Terrestre. Era um jardim de delícias. Ali não havia nem morte e nem sofrimento. Por isso que agora sentimos a morte como um golpe baixo, não como uma coisa normal. Sentimos como uma ruptura. A morte veio como quase para arruinar este quadro do paraíso. E ela acontece de um jeito ou do outro, agora ou depois, cada um tem a sua.
A causa da morte foi o pecado original. O ato de rebelião primordial a Deus. Quando o homem disse: eu posso ser Deus, sem Deus. É o pecado de soberba no confronto com Deus. Em consequência do pecado, sem ser inteiramente corrompida, a natureza humana é ferida, debilitada, é posta à ignorância. Basta ver como na vida precisamos estudar e aprender. É também ela posta ao sofrimento e, sobretudo, ao poder da morte. A natureza humana, ainda, ficou inclinada ao pecado. Nossa vontade é ferida. Não ficamos num plano horizontal, equilibrados, mas inclinados ao pecado. Facilmente caímos, deslizamos. Facilmente fazemos o que não devemos fazer. Isso se chama concupiscência. A palavra vem do verbo latino cupio, que se traduz por desejar, apetecer, cobiçar. Quer dizer, facilmente o que desejamos e não o que é o melhor. Desejamos de maneira morbosa. Somos atraídos para fazer o que não é bom. Daí que alcançar a virtude, que dá trabalho, com a ajuda da graça, é a forma de dominar esta rebelião da vontade.
Depois do primeiro pecado, o mundo foi inundado pelo pecado. Mas Deus não abandonou o homem no poder da morte. Ao contrário, predisse de modo misterioso (Gn 3,15) que o mal seria vencido e o homem aliviado, salvo, elevado da queda. Aqui está todo o sentido da nossa fé. Aqui está nossa esperança e o sentido da morte. O mal não terá a última palavra. É o primeiro anúncio do Salvador. Da mulher virá a salvação. Aí está também o nosso amor à Virgem Maria. Eva disse não. Maria disse sim. A queda veio a ser chamada feliz culpa. Do mal veio um bem maior. Já não temos o jardim de delícias, mas a vida em Cristo. Isto é muitíssimo mais que o paraíso.
A ressurreição é o cume da encarnação. O Ressuscitado, vencedor do pecado e da morte, é o princípio da nossa justificação e da nossa ressurreição, graças à fé que temos nele. Participamos da vida do filho unigênito e, por isso, expiados nossos pecados, é iniciada nossa ressurreição. No fim dos tempos, a ressurreição dos corpos é a conclusão do fim do mundo. Por isso, conservamos os corpos nos sepulcros, e não cremamos, em atenção à ressurreição.
A morte também toca a alma. Com a morte separa-se a alma do corpo. O corpo cai na corrupção. Enquanto a alma, que é imortal, vai ao encontro do juízo de Deus e espera reunir-se ao corpo no retorno do Senhor quando este voltar transformado no fim do mundo. Como será isso, com um corpo reduzido ao pó? Como? Isso será para além de nossa imaginação e de nosso intelecto. Na verdade, quem fez o mais (a matéria), pode fazer o menos. O ressuscitado será um corpo transfigurado, o de Cristo ressuscitado. O corpo de Cristo é o depósito, o penhor da nossa ressurreição. Por que como Cristo ressuscitou, nos ressuscitaremos. Nem a morte pode parar o poder de Deus. É a ressurreição é da carne, da realidade mortal, que foi destinada a morrer.
Há que se preparar para a morte. É preciso estar com as malas sempre prontas para a última viagem. Não está em nossa agenda o dia e a hora. Não o podemos fazer, pois isto está na conta de Deus. São Francisco de Sales diz: “Eu assumo o cuidado de viver bem, e deixo a Deus o cuidado da minha morte". Rezemos também pelos nossos irmãos falecidos, para que, com os méritos de Cristo e de todos os santos que fazem parte do seu corpo, suas almas contemplem a face de Deus e esperem a ressurreição dos corpos no último dia.